Lembro-me de cada página que já li, a marca de uma lágrima. A emoção incontida quase se engolfa garganta a dentro. Os grandes romances, os fantásticos filmes, os quadros dos grandes pintores, assim como as letras das belas melodias, são fontes de verdadeiras catarses.
A condenação à prisão por 19 anos de Jean Vilejean, personagem do romance “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, pelo roubo de um pão, espelha nitidamente o drama das pessoas mais humildes. Ou a peça “Medeia”, de Eurípedes, com a terrível cena do filicídio para se vingar do marido, Jasão, onde entra paixão, amor e vingança.
Os versos do poema “Ode à Alegria”, compostos pelo poeta e filósofo alemão Friedrich Schiller, exprimem bem a visão de irmanação compartilhada por Ludwig Van Beethoven, que os incluiu na sua obra máxima, a Nona Sinfonia, como um processo acabado de perfeição do sentimento humano. Essa abrangência de fraternidade universal fez com que a União Europeia adotasse a Nona Sinfonia como hino oficial do Bloco.
Viajei com algumas obras dos grandes filósofos, escritores, cientistas, historiadores, músicos, poetas, escultores e renomados pintores de todos os tempos, com redobrada curiosidade, sem ordem cronológica, acompanhando a saga de Vasco da Gama, no monumental “Os Lusíadas”, de Luís Vaz de Camões; o passamento de Sócrates, relatado em Fédon, por Platão que mostra também as considerações do Mestre condenado sobre a imortalidade da alma, com seus amigos enquanto aguardam a hora fatal; o embevecimento na contemplação de belos quadros em museus e muitos escritos da inesgotável capacidade criadora do ser humano.
Entristeci-me e chorei até, com a literatura sobre aescravidão no Brasil, nas narrativas com o procedimento das Companhias constituídas para transporte dos negros da África em navios com porões imundos, abarrotados, com doenças, desumanos e contrário a qualquer princípio de espiritualidade. Com suas dores e agonias íntimas, não podiam nem gemer com dignidade. Em “Vozes D’Africa”, o poeta Castro Alves, transmitia o pedido de ajuda, com enfático desespero:
Deus! ó Deus! Onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito…
Onde estás, Senhor Deus?
…………………………………………………………………..
Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p’ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito…
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!…
Esse clamor junta-se a outros de vários abolicionistas, que culminaram com a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888, pondo fim oficialmente à escravidão. A luta foi árdua, com muito sofrimento e muitas lágrimas.
Imagino e sinto que tanto tempo de injustiças, que teimam em perdurar, ainda não foi suficiente para fazer com que cabeças aparentemente esclarecidas se deem conta de que realmente existe discriminação, preconceito, má vontade com os negros no Brasil. Uma atitude truculenta aqui, um comentário maldoso ali, vão alimentando esse tormentoso estigma que parece não ter fim.
Assim, é mister que cada um faça um grande empenho, a fim de que se fortaleça intelectualmente para enfrentar as intempéries que por acaso a cor de sua pele interfira desfavoravelmente. É somente na educação, que vejo a maneira mais eficaz de quebrar esses grilhões do obscurantismo. Esforçar-se e capacitar-se na leitura constante e no conhecimento das tecnologias pode-se superar todas as dificuldades.
As ações afirmativas, tão oportunas, mas às vezes criticadas por muitos, fazem-se necessárias, para corrigir distorções e desigualdades acumuladas há séculos no sentido de uma ascensão social mais equilibrada. Nem que seja lenta, mas permanente.
No imenso espaço dos céus, os pássaros sabem reinventar voos e cantos. A postura reverencial que uns devem ter com outros, reforça o caráter de divinos, não de submissão.
Jonilton Lima Rocha
Administrador e Poeta